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Coronavírus e o tratamento da doença de Parkinson

03/07/2020

Conheça a opinião do Professor Joaquim Ferreira, numa entrevista dada à Associação Europeia de Doenças de Parkinson (EPDA), sobre o impacto do coronavírus no acesso ao tratamento da doença de Parkinson.

 

Como é que a crise do coronavírus afetou o acesso aos cuidados de saúde na doença de Parkinson? 

Quatro profissionais de saúde partilham como a forma como quatro centros médicos da Europa se adaptaram e os seus conselhos para as pessoas com Parkinson durante a pandemia.

 

O que sabemos sobre a relação entre coronavírus e doença de Parkinson?

Joaquim Ferreira, Neurologista, Portugal: Ainda existe pouca informação sobre muitos aspetos clínicos relacionados com a doença e com as potenciais complicações a curto e longo prazo. A maioria das pessoas com doença de Parkinson é idosa e a idade é um fator de risco para as formas mais graves do Covid-19. Por outro lado, sabemos que os doentes podem ser afetados indiretamente pelas restrições físicas do confinamento, pelo seu impacto psicológico e pelo acesso condicionado aos cuidados de saúde.

Miriam Parry, Enfermeira especialista em doença de Parkinson, Reino Unido: Sabemos que as pessoas com doença de Parkinson estão mais propensas a desenvolver pneumonias e infeções. A doença de Parkinson pode causar problemas respiratórios. Se uma pessoa com doença de Parkinson há vários anos, tem uma maior probabilidade de apresentar problemas respiratórios. Este é o motivo pelo qual, as pessoas com doença de Parkinson são consideradas pessoas de risco no caso de serem infetadas por coronavírus. Por esta razão, também os cuidadores devem ter um maior cuidado.

Rick Helmich, Neurologista, Holanda: Sabemos muito pouco, mas o conhecimento está a aumentar rapidamente. Os doentes de Parkinson que desenvolvem Covid-19 parecem ter sintomas semelhantes às restantes pessoas e aproximadamente com o mesmo grau de gravidade. No entanto, o facto de estarem infetados com coronavírus, pode agravar os sintomas da doença de Parkinson. Este é um assunto bem conhecido que também ocorre quando pacientes com Parkinson desenvolvem outras infeções não-coronavírus. A atual pandemia tem efeitos nos doentes com Parkinson que não são tão visíveis, como aumento dos níveis de stress e uma diminuição do exercício físico devido às medidas de isolamento social.

 

Que impacto teve a crise do coronavírus no modo de desempenhar as atividades e interagir com os doentes?

Emma Edwards, enfermeira especialista em Parkinson, Reino Unido: A crise do coronavírus provocou uma interrupção imediata nas consultas presenciais. Sabíamos que a implementação da telemedicina prevista no nosso centro ocorreria durante um período de sete meses. Quando a crise começou, este trabalho foi realizado em sete dias! Em maio, comecei a ver novamente alguns doentes em casa. Os candidatos para este tipo de cuidados foram pessoas com doença de Parkinson que não conseguíamos ajudar por telefone ou através de meios virtuais.

Helmich: Desde há alguns meses que trabalho maioritariamente a partir de casa e que realizo todos os contactos com doente por videoconferência e por telefone. Foi necessário tempo para me habituar, mas estou realmente muito satisfeito com o resultado. É incrível o quanto podemos ver e conversar através de uma boa ligação de vídeo. Por outro lado, há aspetos mais subtis que se captam melhor na vida real, pelo que fico contente de pudermos voltar a receber, durante as próximas semanas, mais doentes no nosso hospital.

Joaquim Ferreira: Deve ser também referido o grande impacto do cancelamento de visitas a doentes hospitalizados e dos programas de reabilitação em internamento. Esta situação forçou todos os profissionais de saúde a envolverem-se no trabalho de facilitar a comunicação, de forma a minimizar as consequências do menor contacto com familiares e amigos.

 

Qual o impacto da crise do coronavírus no acesso das pessoas com doença de Parkinson aos cuidados de saúde?

Rick Helmich: Este é um ponto com o qual muitos doentes estão preocupados, o acesso aos cuidados de saúde. Muitos doentes de Parkinson são tratados por uma equipa de profissionais, incluindo um neurologista, uma enfermeira especialista em Parkinson, um fisioterapeuta e, às vezes, um psiquiatra, terapeuta da fala ou terapeuta ocupacional. O acesso a estes profissionais de saúde foi restringido pelas medidas de isolamento e de distanciamento social. Nem todas as pessoas têm um bom acesso à Internet, e nem todos os tratamentos podem ser igualmente realizados por videoconferência. Portanto, acredito que com a pandemia de coronavírus interferiu com o atendimento aos doentes de Parkinson.

Joaquim Ferreira: A pandemia de coronavírus afetou gravemente o acompanhamento de pessoas com doença de Parkinson. As consultas regulares foram canceladas, dificultando ou impossibilitando o acesso a médicos e a outros profissionais de saúde. As prescrições de medicação foram mais difíceis de obter. Sessões de fisioterapia, terapia da fala e outras intervenções terapêuticas foram canceladas e a atividade física e o exercício reduziram significativamente para muitos doentes. Muitas cirurgias cerebrais profundas foram adiadas, e os doentes incluídos em estudos e ensaios clínicos viram as suas consultas serem transformadas em contactos telefónicos ou vídeo chamadas.

Emma Edwards: Sessões presenciais, como os grupos de exercícios para doença de Parkinson, foram também adiadas. Felizmente a equipa que dirigia esses grupos produziu um excelente DVD com os exercícios conhecidos, que realizam presencialmente. Este foi enviado para casa no início da pandemia e foi muito bem recebido por muitas pessoas com doença de Parkinson.

 

Que atitudes devem tomar as pessoas com doença de Parkinson?

Joaquim Ferreira: A recomendação mais importante tanto para as pessoas com doença de Parkinson, como para os seus familiares e amigos próximos, é seguir as recomendações gerais de saúde pública que se aplicam à população idosa. Na situação atual de pandemia, numa altura em que os governos estão a diminuir as medidas de confinamento, a mensagem mais importante é alertar todos que esta pandemia não terminou e que as medidas gerais que estão a ser recomendadas para a população em geral, devem ser seguidas rigorosamente nos próximos meses.

Miriam Parry: Quando sair de casa, por qualquer motivo, evite espaços ocupados, use máscara e mantenha uma distância de cerca de dois metros das pessoas com quem não vive. Também deve seguir as boas práticas de higiene, incluindo a lavagem das mãos, não partilhar louças e talheres, limpar as superfícies e não entrar em casa de outras pessoas. Pode pedir ao farmacêutico local para entregar a sua medicação em casa ou pedir ajuda a familiares ou amigos.

Emma Edwards: Eu aconselho vivamente, as pessoas que possam, a realizar exercício. O exercício físico provou ter benefício não apenas para a saúde física mas também na saúde mental das pessoas com doença de Parkinson. Fiquei realmente impressionado, no período em que as aulas de grupo fora, canceladas, com as aulas de exercícios para as pessoas com doença de Parkinson, disponíveis online.

 

O que devem fazer as pessoas com doença de Parkinson que tinham consultas marcadas no hospital e no centro de saúde, durante este período?

Miriam Parry: Se estiver no Reino Unido, ligue para o centro de saúde e peça mais informações e orientações. Poderão aconselhá-lo se for urgente ou aconselhar uma consulta por telefone ou vídeo. As consultas de rotina do hospital foram transformadas em vídeo consultas ou consultas por telefone.

Joaquim Ferreira: Durante esta crise, as instituições de saúde em Portugal mudaram seus procedimentos e implementaram medidas de segurança para quem não pode prescindir das consultas de rotina ou em caso de urgência de precisar de se deslocar ao hospital.

Emma Edwards: Imagino que após este período de confinamento, as consultas em ambulatório no Reino Unido serão muito diferentes daquilo a que estávamos habituados. Certamente, na nossa área, os equipamentos de proteção individual serão usados ​​pela equipa e que os doentes são incentivados a usar máscara. Se as pessoas com doença de Parkinson precisarem de conselhos sobre como gerir a doença e não souberem quando têm a próxima consulta, devem contactar a associação local de doença de Parkinson e pedir ajuda. Seja pro ativo!

 

Como podem as pessoas com doença de Parkinson cuidar do seu bem-estar mental?

Joaquim Ferreira: Todos os profissionais de saúde que acompanham doentes com doença de Parkinson reconhecem que este foi um momento difícil, não apenas para os doentes, mas para todos os que os rodeiam. O mais importante para a comunidade é fortalecer o apoio e continuar a cuidar, mantendo os vínculos entre doentes, familiares, cuidadores e profissionais de saúde.

Rick Helmich: Isso é diferente para todos. Alguns de meus doentes até gostam de certos aspectos da situação atual, como redução da carga de trabalho, prazos ou obrigações sociais. Em geral, penso que é bom tentar manter contato o contacto com as pessoas próximas. Faça um novo plano para os seus dias, que funcione para si e desenvolva novas rotinas de exercícios. Existem muitos eventos online disponíveis para doentes com doença Parkinson, como aulas de dança ou canto online. Portanto, pode valer a pena dar pesquisar on-line para ver o que existe ou pedir a ajuda de alguém para o fazer. Não tenha medo de falar sobre suas preocupações ou medos.

Emma Edwards: Ser capaz de contactar com outras pessoas foi um desafio durante o confinamento, mas, à medida que as restrições são reduzidas, eu incentivo as pessoas a que se encontrarem novamente, respeitando as medidas de proteção. Para muitos, durante a pandemia, isso ocorre através de plataformas on-line, como o Zoom, ou através de conversas com familiares e amigos, respeitando o distanciamento social. Eu também sou um grande defensor da prática de mindfulness. É uma maneira de estar totalmente presente, tendo consciência de onde estamos, do que fazemos e sentimos, sem ficar sobrecarregados com o que está a acontecer à nossa volta.

Miriam Parry: É normal e expectável sentir um conjunto de emoções durante a pandemia, incluindo medo, aumento da ansiedade, raiva e tristeza. Existem orientações para saber como cuidar o bem-estar mental, durante esse período, criadas pela Mind, para além dos site do apoio que pode encontrar através dos sites da Parkinson’s UK e Parkinson’s Foundation.

 

Que conselhos dar a quem vive com pessoa vulneráveis?

Miriam Parry: Os familiares e cuidadores de doentes de Parkinson devem protegê-los e minimizar o risco, saindo de casa o menos possível. Se possível, devem trabalhar a partir de casa e limitar o contato com outras pessoas.

Joaquim Ferreira: É um bom princípio pressupor que todos com quem estamos em contato possam estar infetados, mesmo que não apresentem nenhum sintoma suspeito. Ninguém pode ter certeza de que não está infetado ou que não corre o risco de infetar outras pessoas. Isso é ainda mais relevante para profissionais de saúde, cuidadores, familiares e para aqueles que têm contato próximo com populações vulneráveis.

Emma Edwards:Quando reiniciei as visitas domiciliares apercebi-me que não tinha captado o verdadeiro impacto do coronavírus e do confinamento nos cuidadores. Era mais difícil captar a sobrecarga dos familiares por telefone ou mesmo nas consultas de telemedicina. Estou convencida de que precisamos de continuar a trabalhar o apoio ao cuidador, pois ao tornar a telemedicina mais acessível para as pessoas com doença de Parkinson, pode existir um menor contato com os familiares ou cuidadores, durante estas interações.

Rick Helmich: Pessoas vulneráveis ​​podem ser menos capazes de lidar com situações novas ou ameaçadoras. Seja paciente se seus familiares ou pessoas próximas estiverem mais ansiosos, preocupados ou agravarem os sintomas.

 

Pensa que a crise do coronavírus terá um impacto a longo prazo nas pessoas com doença de Parkinson?

Joaquim Ferreira: As limitações induzidas pela pandemia do Covid-19 chegaram para ficar e precisamos de estar preparados para nos adaptar nos próximos meses.

Miriam Parry: A pandemia Covid-19 pode potencialmente ter um impacto a longo prazo na saúde física e mental das pessoas com doença de Parkinson. Muitos estudos estão a ser realizados atualmente para analisar o impacto desta pandemia.

Emma Edwards: Acho que muitos profissionais de saúde estavam ansiosos por aplicar a tecnologia aos cuidados assistenciais aos doentes. Esta crise acelerou este processo. Gosto de poder oferecer aos nossos doentes uma maior variedade de formas de aceder a informações e conselhos – desde a telemedicina à utilização de wearables- mas também de puder oferecer as tradicionais visitas presenciais ao domicílio, se necessário.

 

Veja a entrevista no site da Associação Europeia da Doença de Parkinson